Texto 6: A Europa é uma Festa



"If you are lucky enough to have lived in Paris as a young man, then wherever you go for the rest of your life it stays with you, for Paris is a moveable feast*" (Paris é uma Festa – Ernest Hemingway)

Devia ser proibido ensinar palavrões para um estrangeiro. Não é porque proferir este nomes feios são moralmente vergonhosos. Esta lição vocês já tiveram em casa. Mas é que a língua de um pais é complexa. E só os nativos ou somente depois de muita prática, um estrangeiro pode deter o real sentido e o temperamento das palavras que aprendera.


Andei brincando de falar a língua turca com amigos de Istambul que formei aqui em Coimbra. Para que fosse pedagógico, dividi minhas lições da seguinte maneira. As meninas me ensinariam palavras bonitas, que devem ser empregadas sempre. E os meninos fariam o trabalho sujo, ensinariam-me as palavras, digamos, mais entretidas, o palavrório menos polido. Isso não deu muito certo. Minha memória, que também gosta de brincar, me traiu e alterou os sentido de algumas frases e acabei dizendo Seni Seviyorum (eu te amo) às pessoas erradas…

Iluminei uma lembrança agora de Chico Buarque, do romance Budapeste. No inicio do livro, o autor enfatiza que devia ser proibido debochar de quem se aventura numa língua. Mas como fica o prazer universal de ensinar um estranho a pronunciar coisas indizíveis? Como brasileiro, ainda lá no Brasil, já gargalhei ensinando franceses a se auto-mau-dizerem. Pois aqui me tornei vítima destas façanhas.

Estou turco.

E dei pra murmurar sozinho a suspeita de um ligeiríssimo sotaque turco. Sempre gostei da variação dos sotaques. E nunca, como todo mundo, reparei no meu próprio. Porém semana passada dei por mim que ele existia e tocava Axé. Bastava eu abrir a boca para que meu sotaque baiano cruzasse a avenida. E todos os outros sotaques, nos quais já fui profissionais em imitar na infância, como o famoso português e o afrescalhado francês, tem descido ladeira abaixo. Estás a perceber? Nada surpreende tanto quanto o choque entre o estereótipo e a realidade. Conheci o Pierre, um francês que ofusca completamente a ideia cansada que obtemos dos homens franceses. Nada de boina, nada de estilo sofistique. Inclusive ele me garantiu que toma três banhos por dia. Eu, óbvio, não quis duvidar. Conheci alguns alemães que desmascararam de primeira a fama de rabugentos ou antipáticos. Estas qualidades ultrapassam a barreira dos continentes. Gente rabugenta tem em todo lugar. Tá aí uma coisa que não discrimina ninguém. A chatice é uma característica transcendente. Não escolhe judeus ou cristãos.

Ainda não fiz muitas viagens pela Europa. Já é muito interessante estudar francês e inglês em um pais de língua portuguesa, tenho gastado diariamente meu tempo nisso, sobretudo nas festas, onde a magia da comunicação acontece sem rodeios (vocês sabem porque). A desculpa é que tenho preferido fazer viagens ao interior de mim mesmo. Cafona isso, né? Pois. Apesar disso, eu já marquei minha longa viagem pela França. Reservei duas semanas de janeiro para escamotear e conhecer a cultura francófona. Depois do Festival de Cinema Francês da semana passada, o que era tentador ficou irresistível. Tenho certa repulsa daquelas viagens de um dia em cada canto, "conheça a Espanha em três dias", "Saiba tudo de Veneza em 48 horas". Se eu tivesse pressa, eu dava um google nestes lugares. E muito mais cômodo. Esse tipo de viagem só vale a pena para futuramente contar aos amigos os lugares que você visitou...ou deixou de curtir. Quer entender uma cultura, mergulhe! Ir aos lugares cansados de Paris qualquer zé ninguém com algum dinheiro no bolso vai, mas conhecer as formosas imagens descritas no livro de Hemingway são para poucos. E assim, decidi permanecer por 15 dias sob as noites frescas de Paris. Li Paris é uma Festa algumas horas antes de vir pra europa, e carrego comigo o conselho que está em inglês no cabeçalho do texto de hoje. Que aliás, tá ficando grande demais. Tem muito o que dizer. Preciso falar das figuras exóticas que nos deparamos aqui na Europa. Cenas do próximo texto. Portem-se bem. Au revoir.

Michael, o alemão sacana.



0 comentários: